quinta-feira, setembro 07, 2006

O Meu Trabalho

Quando me perguntam o que faço, digo trabalho no A.T.L. de um colégio, mas isto não diz absolutamente nada, e verdadeiramente, ninguém tem noção do que é trabalhar num colégio. Aqui vai agora que este trabalho fascinante de 13 anos chegou ao fim.
Passei felizmente os últimos 13 anos da minha vida a fazer isto, e acreditem fui, profissionalmente, a pessoa mais realizada do mundo!
O ATL é um espaço fisico, onde crianças dos 6 aos 12 vão antes ou depois do horário escolar. O ATL é – pelo menos o nosso – um complento à escola e à familia. Aqui fazemos de tudo, acolhemo-los quando chegam, dizemos bom dia e perguntamos se têm trabalhos de casa. Deixamo-los fazer os TPC por si, mas estamos lá para o caso de haver dúvidas e no fim revemos com eles o trabalho feito, dizemos que está tudo bem ou se for preciso apontamos os erros, damos incentivos a que sejam menos trapalhões, perguiçosos, a fazerem uma letra mais bonita. Ajudamos os que têm mais dificuldades.
No ATL dizemos piropos às crianças sobre as suas toilettes, passamos-lhes a mão pela cabeça, pegamos-lhes ao colo e dizemos que gostamos muito deles, estamos atentos às suas qualidades e às suas dificuldades. Rimo-nos com eles fazemos troça deles e deixamos que façam troça de nós. Zangamo-nos com eles sempre que é preciso e zangamo-nos à séria quando são maus uns para os outros. Desculpamo-los sempre que fazem asneiras – porque nós também as fizemos – e explicamos que ‘não pode ser’ e que ‘se tem de ter mais atenção’. Se algum é mesmo muito asneirento e está constantemente de castigo ou a “levar na cabeça”, fazemos de conta de não o vimos/ouvimos fazer a asneira para não nos termos de zangar de novo com ele. No ATL catamos piolhos e “limpamos-lhes” as cabeças, tratamos das feridas, pomos-lhes pensos rápidos nos pés por causa dos sapatos novos que magoam. Damos do nosso pão com manteiga porque a mãe se esqueceu de mandar lanche. Deitamo-los num sofá se estão doentes, tapamos com uma mantinha à espera que um dos pais possa vir.
No ATL nunca é perdido, o tempo que se passa a conversar com uma criança sobre a sua vida, a separação dos pais, os irmãos mais velhos/mais novos que são uns chatos, a negativa na escola, ou o amigo que diz já não ser amigo.
No ATL rimo-nos com eles, dizemos cocó, chichi e cagalhoto, cantamos jogamos.
No ATL deixamo-los fazer coisas que eles gostam e que aparentemente para nada servem – dançar, jogar matrecos, mascararem-se etc – porque servem de verdade para muito.
“Obrigamos” a fazer coisas que não gostam, porque os vai ajudar a crescer.
No ATL ensinamo-los técnicas de pintura, de barro e modelagem, incentivamo-los a desenhar e a pintar a fazer o melhor uso dos materiais e das técnicas.
Ensinamos coisas que não lhes vão, possivelmente, servir para nada, mas que lhes abrem o olhar para o mundo, que os dispertam à sensibilidade, que os ensinam a pensar e a racicionar, a ver que afinal o mundo é muito maior do que aquilo que eles imaginam.
Falamos muito de Deus e de Jesus porque ambos lhes querem muito a cada um deles, e de Maria e dos amigos de Jesus porque são um exemplo para nós. Ajudamos na sua caminhada de fé, a olhar a igreja com amor.
Vemos filmes e procuramos a mensagem, fotografias de outros meninos que nada têm e procuramos despertá-los para a responsabilidade social para com os que menos têm. Fazemo-lhes ver e dar Graças por tudo o que de bom vai acontecendo nas vidas deles – Um dia de anos é sempre uma festa e festejamos a vida daquele porque a sua vida também nos importa.
Aprendem a mexer nos computadores e no fim deixamos jogar um jogo. No ATL não deixamos jogar “jogos de computador” em tempo normal, porque no ATL há jogos e há outros meninos com quem jogar e há relações a criar, zangas a ter, asneiras a fazer. Mas à sexta-feira podem trazer mp3 e game boys etc.
Aprendem a cantar e a fazer vozes. Na ginástica, fazem exercicio, aprendem a conhecer o seu corpo, a mexerem-se no espaço. Libertam energias e tensões.
No ATL as crianças são educadas a serem cada vez melhores, a terem pelos outros, pelo mundo e pelos materiais um maior respeito.
Lembramos que se deve emprestar, dar, pedir se faz favor, dizer bom dia, cumprimentar, dizer obrigado, até amanhã, bom fim de semana, boas férias e adeus com um grande abraço, quando já crescidos vão para outras escolas.
Arrumamos-lhes os estojos, colamos as folhas rasgadas dos cadernos.
Vão aos museus olham para quadros e para os seus porquês e mistérios. Ouvem histórias, trabalham palavras, sentimentos e acções inventam histórias por imagens. Imaginam imagens através de palavras. Criam diálogos. Ouvem histórias e contam-nas, aprender a entoar palavras e a senti-las para melhor as poderem ler.
No nosso A.T.L., estamos atentos a cada criança, às suas vidas e manias, ensinamos-lhes a dominar o mau genio, ou mau feitio. Ensinamo-los a sorrir a não ser rezingões. Cada criança é verdadeiramente amada, importamos as suas vidas para as nossos almoços onde há sempre um espaço para os acontecimentos, para uma troca de impressão, para um pedido de atenção de um monitor aos outros sobre determinada criança.
No A.T.L. conhecemos as nossas crianças, o que são, o que sabem fazer e o que não sabem, conhecemos as suas medidas e os seus potenciais.

Somos como que pais durante 4 horas do dia – há pais que não estão quatro horas por dia com os seus filhos.
Raramente perdemos a cabeça e gritar só em grupo para que possamos falar, acontece porque eles falam cada vez mais alto...
Também falhamos.
Aquilo que fazemos com as crianças é aquilo que os pais fazem – e aquilo que os pais não têm tempo ou aptidão para fazer. Cuidamos deles, porque nos são entregues e confiam em nós. Apetrechamo-los para a vida. Uma vida, da qual, depois deixamos de ter eco. Semeamos sementes que não chegamos a ver o fruto, mas que certamente ficaram lá. Mas durante 6 anos eles – as crianças que nos estão confiadas - foram um pouco nossas. E por vezes também acontecem milagres, verdadeiros milagres que nem pais, nem psicologos, nem professores acreditam ser possiveis. Tudo estava lá, nós só demos uma mão.
E isto tudo, acreditem, acontece num dia, porque eles são muitos. Ao fim de 8 horas de trabalho estamos arrasados. O nosso nome foi chamado pelo menos umas 200 vezes. E queremos é chegar a casa e que nos chamem Zé, Francisco , António, em vez de Paulo ou pai como muitas vezes lhes sai. Estranhamente nunca ouvi nenhum deles chamar mãe a nenhuma das minhas colegas. Mas acho que Pai começa pelas mesma letras que Paulo. Também, já aconteceu chamarem-me avô. Devo estar a ficar velho.

Este texto escrevi-o em Maio.
Hoje tudo isto vai acabar.