terça-feira, outubro 31, 2006

cobardolas mas sensato

Já decidi que nunca irei escrever livros. Acho que estou demasiado agarrado a vida para o fazer. A escrita é como uma especie de catarse resolve-nos a vida e eu temo por isso. É-me muito preciosa, tal como Deus, gosto de os ver. Ou às vezes, cansado, de os olhar e sentir ao lado, por perto. Embora não resolvida, tenho-a arrumada – execessivamente arrumada. É, talvez, o luxo de uma certa solidão. E se estas cinco linhas custaram a escrever, o que será um livro. Prefiro apropriar-me dos livros, das vidas e das histórias dos outros.

E vejam senão, em frases como estas vai-se um bocado de vida:
“Estou morta/estendida como um lençol de linho ainda por dobrar/ arrumada no grande armário onde se guardam as toalhas de renda dos grandes jantares/ morri/ para que venhas buscar-me viva” in, Antes que a noite venha, Eduarda Dionisio;

ou “O senhor doutor dobrou-me para a frente, encostou-me a uma viga em que dormiam rolas e as placas do telhado estremeceram, procurou-me no vestido achou-me perdeu-me tentou achar-me de novo, e eu esqueci-me dele e pensei nas laranjas a brilhar na paz de agosto, ardendo devagarinho como lamparinas dos santos e não sentia medo, sentia-me bem, sentia-me eterna, sentia-me feliz dado que o tempo parecia parado para sempre..." In, O manual dos Inquisidores, António Lobo Antunes.