quarta-feira, novembro 23, 2005

Monica Calle

Ontem fui lá, só para ver.
Só para descobrir quem escreve assim.

Culturgest, 21.30. Pequeno Auditório. A sala quase cheia.
Ontem. Julieta – cartas fragmentárias a um amor perdido: Uma encenação de Mónica Calle com textos seus – agora nossos. Ao meu lado um rapaz preto – porque de Cor são os lápis – casaco de veludo verde bandeira com botões dourados, alto, fashion. E uma plateia de gente com cara de amigo. Porque há pessoas que têm esta cara.
A cena, uma box de carros, em obras no interior de uma garagem – parte das costas do palco abriam de verdade para a Garagem da Culturgest. Nenhuma luz, só pequenos focos que por vezes iluminam as personagens, 4 mulheres. A voz off está sentada entre nós e é a dela – vim a saber depois.
Uma das personagens lê textos de Shakespear no original, interrompida pelos monólogos das outras que se despedem de nós cada vez que chegam ao fim. Despeço-me.
Por vezes, somos chamados a atenção, de que aquele tempo e lugar, é sagrado, porque o tempo e o lugar real nos chegam pela porta aberta para a garagem, onde passam carros, seguranças fardados, gente que olha e volta a trás para espreitar. E interrompem a nossa extrema atenção, abrandam-nos a emoção, aliviam-nos o peso das palavras.
Não vou muito ao teatro, mas leio bastante. O que me fez lá ir foi um texto de Mónica Calle. Foi a hipótese de haver outros. Foi a necessidade de a ver!
Mais que a encenação – que não sei avaliar. Valeu por tudo o que o texto desperta. A acção passa-se, estou convencido, em cada um de nós que ouve e sente: palavras e lugares que desconhecemos porque nunca foram nossos, outros que perdemos, outros que jamais poderão ser nossos, porque encerram segredos redondos e verdades claras. Um espanto!

No fim lá estava ela para uma conversa. Lá estavam elas, muito próprias, como o seu sentar nos desse a conhecer o quê de cada uma. A Mónica falou, como se a peça não tivesse chegado ao fim, pousando de vez em quando o olhar, nas mãos que brincavam com os sapatos. Como se a peça não tivesse chegado ao fim. Como se fossemos merecedores de um encore.

quinta-feira, novembro 10, 2005

imensamente triste... mas às vezes é mesmo assim

"Moro neste país de água. Moro neste país por engano. Mas vem ver-me se quiseres. Nós não temos mais feridas para abrir. A noite está cada vez mais perto de nós. Talvez seja melhor que não o diga. Caminhamos em direcção um do outro. Inútil. Ainda te quero tocar. Stop. Chega. Continua a chover. Olho e fixo um ponto invisível no muro. Ninguém o pode roubar. Moro neste país líquido acredita-me por engano. Tenho-te do outro lado da pele. Sobreviver para além de cada dia. Para além do desejo. O deserto das palavras. Tenho medo de escrever. O meu desejo cola-se agora ao rio. À deriva. Longe daqui. É uma outra maneira de sufocar. Viajo. Invento outros prazeres. Outras perversões. Outros mortos que conservam vivo este corpo. Terei eu segredos? Na ausência do corpo que amamos com intensidade o texto aparece. Escrever as palavras que não podemos compreender. Escrever de maneira a não compreender aquilo que foi escrito. Repito. Mas vem ver-me se quiseres."
Mónica Calle