Bernardo
Soube hoje pelas redes sociais,
coisa a que nunca acedo, que tinhas partido. Fiquei parado e parvo, afetado e
profundamente triste. Depois, pouco a pouco, lembrei-me dos anos que passamos
juntos na vida um do outro, é como se tivesse sido ontem. Nos últimos tempos encontrávamo-nos
menos, mas quando nos víamos era como se tivéssemos estado juntos no dia
anterior.
Lembro-me de nós no Liceu, de
sapatos (tennis só em dias de ginástica), pullover de decote redondo azul
escuro e polo com golas fora do pullover. De ti de cachecol de xadrez escocês,
que usavas até ao pingo do verão. Das tuas graças e das tuas frases feitas
sempre com graça “é muito boa atriz e muito boa atrás”. Das tuas mãos grandes,
tinhas umas mãos enormes!
Divertíamo-nos e riamos de manhã
à noite, lembras-te? Gozávamos uns com outros, com as nossas manias, com as
professoras, lembras-te? Adorava implicar contigo porque descendias do marquês
de Pombal e eu dizia que não falava a gente com sangue daquele canalha.
Trabalhavas imenso (ao piano) e eu
lia sentado naquela vossa sala com pianos. O vosso pai fazia-nos chá naqueles
bules castanhos ingleses e era sempre um ritual muito explicado e demorado. Lembras-te
que a certa altura o teu mano Francisco tocava piano para uma cantora lírica e
nós íamos espreita-los ao longo daquela varanda que percorria a casa: A vista
mais bonita de Lisboa. Ajudava-te a organizar as tuas fichas de cinema. Eu fazia
fichas de leitura e tu fazias fichas de filmes, ainda as tens? Lembro-me da tua
casa como se tivesse lá ido hoje almoçar como fazia tantas vezes.
Devo-te todos os filmes clássicos
que vimos na cinemateca à tarde, as primeiras idas ao hotclub … nunca lá mais
voltei, só há uns anos com a minha ana e um amigo, e depois ardeu. Devo-te
todos os palavrões que tu e o Zé me obrigavam a dizer, porque eu não dizia
palavrões. Usavas adjectivos que nós não usavamos como "fabulosa" ou "formidavel" aplicadas claro à Grace Kelly, a Audrey, à Ingrid Bergman...
Em casa podíamos chamar-te Bábá
mas no Liceu tinha de ser sempre Bernardo, porque os colegas gozavam. Entramos
juntos no MCE (movimento católico de estudantes) com o Pe. Zé Manel,
lembras-te? Depois saíste e eu acabei por sair também. Lembro-me dos teus
tempos em Grenoble e das cartas que escrevíamos (sou capaz de ainda as ter)
tenho é muitos papelinhos daqueles que trocávamos nas aulas entre nós, tu, o
pedro e o zé e com as miúdas, a mitchi, a conceição, lembras-te? Tu eras um
blazé e apuras-te isso!
Só cheguei a conhecer a tua
pequenina mais velha, no chiado lembras-te? fomos à Benard.
A minha fé diz-me que ainda te
vou encontrar, um dia, com todos os outros que marcaram a minha vida para
sempre e estão lá, em cima, no céu. E a experiencia, diz-me que nada do que se Vive
com alguém morre, fica, vive sempre.
Um abraço, até um dia destes miúdo,